O ideal e o real

Já comentei, certa vez, que vi documentários na TV sobre o futuro dos carros. Algumas idéias legais, outras equivocadas, mas todas tentando mudar situações problemáticas, seja na usabilidade, engenharia e social. Todos cheios de boa intenção para “mudar o mundo”. É o sonho de todos, inclusive meu, quando tinha acabado de sair da faculdade.

Aliás, a função do designer é mesmo tentar fazer um mundo melhor, propor novas utilizações para produtos, materiais alternativos; é isso que se aprende com todos os autores consagrados. Todas as metodologias, das mais simples às mais elaboradas, têm o objetivo de tornar os projetos os mais perfeitos possíveis.

E a Bauhaus, a famosa escola de design alemã (em minha primeira coluna comentei sobre ela), fez da frase “a forma segue a função” o seu legado. E está certíssima: primeiramente temos de pensar na utilização, para o quê vai servir; a estética seria uma consequência de um desenho bem sucedido. Quanto a isso, não há dúvida nenhuma.

O problema todo é que o ser humano, em geral, encara a vida de outra forma. Um exemplo: o sonho de todo bom designer é fazer um carro minúsculo, para uma só pessoa, para que este ocupe o menor espaço nas ruas, seja barato, econômico e acabe com os engarrafamentos.

Certo, eu, você e todos vão dizer que isto seria fantástico. Porém, na hora “H”, quando têm a oportunidade de comprar um carro assim, pensam um pouquinho mais e partem para uma opção maior, que seu dinheiro possa comprar. Totalmente contra o discurso “politicamente correto”. Se dinheiro não fosse problema, todos estariam desfilando com carros topo de linha, aquelas mega picapes, carros esportivos e tudo que o dinheiro pudesse comprar. E dane-se o bom senso.

O ser humano em geral – sim, eu me incluo na categoria geral, sou tão normal e comum como qualquer pessoa, não estou no olimpo da do bom senso só por ser designer – gosta de ostentar, mostrar que tamanho e luxo é documento. Aí, todas as teorias do bom design vão para a galeria das boas intenções, que nunca se realizam. E não podemos dizer que as pessoas estejam erradas, isso faz parte da personalidade humana. Desejar, cobiçar, mostrar que é melhor que o vizinho. São comportamentos que ninguém quer admitir que tem, mas estão lá.

Os que sabem explorar estas características humanas são os profissionais de venda. Sabem como atingir os anseios e conseguem fazer felizes os compradores de maneira que paguem muito mais produtos que não valham sequer a metade do que cobram, contando que o comprador se sentirá feliz por mostrar ao vizinho que pode ter a última novidade.

E, justamente, estes carros pequenos, que seriam o ideal para resolver o problema do trânsito, o sonho de todo designer que se preze, custam o olho da cara, muito mais que um carro médio de luxo. É o contrário do que deveria ser. E não se pode dizer que são projetos ruins. smart, Fiat 500, MINI, são carros fantásticos em todos os pontos, design, mecânica, estética; o “defeito” é o preço. Talvez o único exemplo, bem sucedido, de um carro conceituado e vendido sob a aura do bom design, seja o Tata Nano, um meio de transporte, ao pé da letra, para ir e vir, despojado, mas em sintonia com “um mundo melhor”.

As boas idéias de design, no sentido coletivo, geralmente têm de ser acompanhadas de algum “incentivo” governamental para serem bem sucedidas. Algo como imposto crescente, proporcional ao tamanho do carro, desestimulando a população a comprar carros grandes e gastões. 

Enfim, se for por conta do ser humano, a ostentação sempre sobrepujará o bom senso. Mas não pensem que isso é um discurso derrotista, que o design ideal não existe. Como sempre digo, há mentes brilhantes em todos os lugares, gente que consegue fazer idéias aparentemente impossíveis em sucesso. O mundo anda para a frente, as mudanças profundas demoram, mas acontecem. A consciência coletiva também muda com o tempo, tudo depende das pessoas que têm o poder de persuasão e carisma.