12/02/2021 - Rodrigo França / Foto: Divulgação / Fonte: iCarros
Imagine o privilégio de chamar o melhor piloto do mundo para avaliar um carro para você escrever a reportagem sobre uma nova marca que chegava ao Brasil?
E foi exatamente isso que aconteceu com o jornalista Eduardo Pincingher no final de fevereiro de 1994. Seu convidado para a matéria era o já tricampeão mundial de F1 Ayrton Senna.
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Eles fizeram uma reportagem exclusiva com a revista Quatro Rodas em que seria anunciado oficialmente a Senna Import como representante oficial da Audi AG no Brasil.
O então editor da revista, Eduardo Pincingher, foi designado para receber Senna em Interlagos, onde ele apresentaria dois dos quatro modelos que a Senna Import comercializaria no país: o S4, versão esportiva do Audi 100, e o S2, a versão esportiva do Audi 80 – que mais tarde teria o A4 como sucessor.
As imagens ficaram por conta do fotógrafo e amigo pessoal de Ayrton, Cláudio Laranjeira.
A reportagem seria publicada na edição de maio de 1994, logo nos primeiros dias do mês, e teria na capa a foto de Senna junto da máquina que ele sonhou em trazer para o nosso mercado.
Infelizmente, o fatídico dia 1º de maio de 1994 que tirou a vida de Senna fez com que a direção da revista, às pressas, imprimisse outra capa para a edição de maio/1994, e retirasse a reportagem prevista para sete páginas da revista daquele mês, em respeito à comoção que tomou conta de todo o País.
E só agora, quase 27 anos depois, você terá o privilégio de ler tudo que Ayrton Senna contou sobre a Audi e seus produtos ao editor Eduardo Pincigher na época de lançamento da marca.
Um relato inédito para marcar o lançamento do novo Audi A4 Sedan no Brasil - e para lembrar, porque afinal de contas a marca tem um apelo tão forte no emocional de tantos brasileiros.
O Carro do Homem
Ayrton Senna anuncia que será importador da Audi no Brasil e testa com exclusividade para Quatro Rodas o esportivo S2 em Interlagos
Texto: Eduardo Pincingher
Fotos: Cláudio Laranjeira
Bem ao gosto do personagem: garoava forte naquela manhã de terça-feira, finalzinho de fevereiro, no Autódromo de Interlagos. Prestes a anunciar que seria o representante brasileiro da marca alemã Audi, em evento realizado no final de março, o “empresário” Ayrton Senna da Silva chegou de helicóptero à pista.
Com absoluta exclusividade para Quatro Rodas, o piloto daria suas impressões ao dirigir o Audi S2, sedã esportivo trazido pela recém-criada Senna Import, após investimento de 5 milhões de dólares.
Mas e de onde vem essa tal de Audi? Vamos lá. A Audi é herdeira da Auto Union, um conglomerado de quatro montadoras alemãs do período pré-guerra, daí o símbolo das “quatro argolas”.
Uma delas, inclusive, bem conhecida dos brasileiros: DKW (as demais são Horch, Wanderer e a própria Audi). Um dos engenheiros mais famosos da Auto Union, inclusive, foi Ferdinand Porsche.
“A Audi se tornará rapidamente conhecida e respeitada no Brasil, como já é no resto do mundo”, disse Senna. “São carros extremamente modernos e seguros”.
Hoje, a marca é subsidiária do grupo Volkswagen e rivaliza, no mercado europeu, com BMW e Mercedes-Benz. Teve grandes resultados nas provas de rally da década passada, com o mítico Audi quattro.
E é justamente a partir da principal tecnologia desse modelo, criada nas competições, que surge uma interessante particularidade dos carros de rua frente às rivais: as versões top de linha da Audi costumam adotar tração permanente nas quatro rodas, frente à tradicional tração traseira das rivais.
E foi exatamente por isso que Ayrton chegou a Interlagos bastante sorridente: “essa garoa vai revelar, de cara, um dos principais atributos desse carro: a aderência em pisos escorregadios”, prometia. E cumpriu. Mas isso a gente conta mais adiante.
“Cheguei” – O slogan da Audi dá o tom de sua aparente ousadia: “BMW e Mercedes, cheguei!” Se parece atrevido desembarcar por aqui como uma ilustre desconhecida já com essa empáfia toda, vejamos.
Na Europa, a marca tem tido êxito nessa empreitada, conquistando cada vez mais adeptos no segmento de luxo. Além da qualidade inquestionável de produção – marca registrada da Volkswagen AG –, a tração integral será um trunfo tecnológico importante para conquistar consumidores afeitos à performance e à segurança.
Ainda que os modelos alemães tragam suspensões construtivamente elogiáveis, a Audi sempre levará vantagem em curvas com suas quatro rodas motrizes. Sempre. E mais: a marca irá se pendurar na figura vencedora de um dos maiores esportistas brasileiros de todos os tempos.
Nada mau para o início. “Fiz constar no contrato com a Williams neste ano a vinculação de minha imagem com a Audi no Brasil”, explicou o piloto.
“A tração permanente é a maior vantagem sobre os concorrentes. Com ela, ganha-se muito em estabilidade. Como as quatro rodas tracionam, não há perigo de um dos eixos derrapar em uma curva veloz. Na chuva, então, esse sistema é fantástico. Garante muita segurança aos passageiros”, destacou nosso piloto “convidado”.
Tecnologia das pistas
Antes de levarmos o carro a Interlagos para esse encontro exclusivo com Ayrton, pusemos o Audi S2 à prova nas pistas de Limeira e Indaiatuba.
Possui altos recursos tecnológicos, a começar pela tração permanente e passando pelo motor de cinco cilindros turboalimentado, com quatro válvulas por cilindros, duplo comando e 2,2 litros de capacidade cúbica.
Rende 230 cv de potência a 5.900 rpm, mas pode chegar a 255 cv quando exigido a fundo, graças à ação do overboost. O câmbio é manual de seis velocidades.
“É um recurso que utilizávamos nos Fórmula 1 da era turbo. Na hora de ultrapassar outro carro, bastava apertar um botão no volante que a turbina exercia pressão extra sobre o motor. O S2 tem o mesmo sistema, só que é automático. O motor recebe 25 cv a mais durante 15 segundos. Ao ultrapassar um caminhão numa estrada de mão dupla, o overboost garante a realização da manobra com maior rapidez e segurança”, explicou Ayrton.
Nas medições de pista, o desempenho do Audi S2 foi exemplar. Nem parecia tratar-se de um sedã de 4,51 metros de comprimento e 1.497 kg de massa.
Obtida em sexta marcha, a velocidade máxima alcançou a marca de 239,5 km/h – mais lento que o BMW M5 (252 km/h) e mais veloz que o Mercedes C280 (221 km/h). O estreante da Audi garantiu o décimo lugar no ranking de importados.
Nas arrancadas, entretanto, a ação da tração permanente impressiona. Não há pneus derrapando na largada, ainda que o piloto despeje o torque de 35,7 kgfm de uma só vez. Ele salta à frente como uma aranha e engole a pista de forma impressionante: 0 a 100 km/h em 6s78.
A polêmica do 0 a 100 km/h
“O número oficial é 6s2. Por que será que ele foi tão mais lento?”, questionou Ayrton ao repórter. “Você nos forneceu um carro praticamente zero km para o teste, sem um motor amaciado. Além disso, Ayrton, as montadoras divulgam números de 0 a 100 km/h onde o piloto de testes não tira o pé do acelerador nas trocas de marchas. Quatro Rodas não concorda com esse procedimento. E é claro que perde alguns décimos”, defendeu-se, modéstia à parte, bem, o repórter.
Vale mencionar que esse vigor não se traduz, porém, em um alto consumo, conforme seria de se esperar em um conjunto motriz repleto de diferenciais, semi-eixos, cardãs etc.
Fez 8,51 km/l na cidade e 12,29 km/l nos trajetos rodoviários nos testes padronizados por Quatro Rodas. Um de seus concorrentes já mencionados, o BMW M5, não passou de 6,36 km/l e 11,65 km/l, respectivamente.
Mas é, de fato, na segurança que o sedã alemão do Ayrton dá um show. E nem estamos falando ainda da experiência em andar com o “dono do carro” em Interlagos...
Junto com a suspensão independente e as rodas aro 16 e tala de 7,5 polegadas, a tração quattro promoveu um excelente resultado em nossa prova de aceleração lateral: 0,96g – para efeito de comparação, o Mercedes C280 não passou de 0,91g, sendo que, neste caso, com grande tendência ao sobresterço (saída da traseira). O S2? Neutro, totalmente “na mão”.
Segurança é ponto alto
O sistema de freios, com discos ventilados nas quatro rodas e sistema antitravamento ABS, permitiu que o sedã precisasse de apenas 26,4 metros para ir de 80 km/h até a parada total.
“Na Alemanha, guiei uma Avant S2 (versão station do carro testado) numa autobahn a mais de 240 km/h. Fiz, então, a seguinte experiência: tirei as mãos do volante e subi no pedal de freio. A perua parou em linha reta e não apresentou fading. Fiquei impressionado com o sistema de freios e com a eficiência do ABS”, destacou Ayrton.
E isso não é tudo. Ele oferece dispositivos de segurança passiva, como air bag para motorista e passageiro, barras laterais de proteção nas portas e o exclusivo sistema Procon-Tem (Programmed Contraction and Tension, ou Tensão e Contração Programadas).
Em caso de colisão frontal acima de 25 km/h, os cintos de segurança são automaticamente tensionados, os dois air bags se inflam, o conjunto motor/câmbio se desloca para baixo e a coluna de direção é puxada para frente.
No interior, muito conforto
O couro está presente no revestimento das laterais das portas, na forração dos bancos, no painel de instrumentos e no volante – tudo de série.
As poltronas dianteiras têm regulagem elétrica de distância e altura do assento e reclinação do encosto. Há um bom espaço interno, e o nível de ruído médio, de 61,5 decibéis, faz do Audi S2 um sedã silencioso, bem abaixo da média entre 65 e 70 decibéis, aceitável para um carro de luxo.
O ar-condicionado possui programação de temperatura, com correção automática. O painel traz, como novidades, teclas de acionamento de luz direcionadora traseira (utilizada para que o carro de trás se guie na neblina) e controle elétrico de regulagem de altura dos faróis.
A coluna de direção, onde se localizam os comandos do piloto automático, permite regulagens de altura e profundidade.
Correndo atrás de Status
O design segue a tradição de discrição e elegância dos Audi. Na traseira, linhas determinam um perfil conservador.
Perguntamos a respeito dessa característica à Ayrton Senna: “O consumidor que busca esse tipo de automóvel prefere um estilo mais clássico. Se bem que, para mim, ele é muito bonito!”. A gente entende sua opinião, Ayrton, fique tranquilo.
A despeito desse senão, dá para afirmar que isso não pesa em nada no conjunto. Com uma respeitável combinação virtuosa de desempenho, segurança, equipamentos e conforto, o Audi S2 ainda não tem o status de BMW e Mercedes, mas, mesmo assim, tende a incomodar bastante os rivais no futuro.
Serão 8 concessionárias credenciadas pela Senna Import neste início (Belo Horizonte, Brasília, Curitiba, Guarujá, Recife, Rio de Janeiro e duas lojas em São Paulo).
Além do S2 (vendido por 82.000 dólares), a linha será composta pelo Audi 80 2.6E sedã (55.000 dólares), o 100 2.8 (62.000) o esportivo S4 (92.000).
Na pista com Ayrton Senna
Dissemos lá no início da reportagem que Ayrton havia descido do helicóptero bastante sorridente devido à garoa que castigava a pista.
Esse cenário tornava a ocasião propícia para avaliar o carro. Ainda mais com o Rei da Chuva ao volante. Entramos na pista e ele começa a descrição de cada particularidade mecânica do S2. Mas era Ayrton Senna, né?
Na reta dos boxes, as marchas eram trocadas a 6.000 rpm, exceto na passagem da quinta para a sexta, quando o conta-giros apontava 5.200 rpm. “Jamais havia guiado antes um carro de passeio tão veloz, aqui em Interlagos”, impressionou-se Ayrton, ao olhar para o velocímetro, que marcava 195 km/h.
Aquilo era só o começo. No instante da freada para o S do Senna, o Audi chegou a 205 km/h. Ayrton, então, parou de falar. Iniciou a frenagem, reduzindo marchas com invejável rapidez, sempre intercaladas com punta-tacos.
A tomada apontava para dentro da curva, como se ele estivesse a bordo de um Fórmula 1. Feita a manobra, o carro escapou levemente para fora.
Mas seu piloto se chamava Ayrton Senna da Silva. Com um contragolpe no volante, ele fez com que o Audi retomasse a trajetória original sem maiores dificuldades.
E, quando beliscou a zebra, a Curva do Sol já reaparecia, bem à frente. Chegando à Curva do Lago, pé no freio, reduções de marcas, acelerador a fundo novamente. Uma manobra perfeita.
“Cabem cinco pessoas com folga no interior do S2. Ele é um automóvel muito confortável, e você pode sentir isso andando em qualquer velocidade”, resumia o entusiasmado Ayrton, ao tirar o capacete.
“Além disso, carros turbinados, como este, são mais divertidos de acelerar. isso tudo sem deixar de lado a segurança, nossa principal preocupação ao trazê-lo para o Brasil”.
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